quarta-feira, 8 de abril de 2009

Declaração de amor...



Esta é uma declaração de amor; amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezae de reagir às vezes com um pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-lanuma linguagem de sentimento de alerteza.E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.Sobretudo para quem escreve tirando das coisas edas pessoas a primeira capa do superficialismo.Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.Eu gosto de manejá-la - como gostava de estarmontando num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. e este desejotodos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar uma herança de língua já feita. Todos nósque escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida. Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que minha abordagem do português fosse virgem e límpida.


Clarice Lispector

Um comentário:

  1. Encontrar Clarice em tantas postagens é um verdadeiro presente.
    Obrigada por suas visitas ao meu blog.
    Infelizmente passei um tempo com problemas no meu computador, não consegui responder os comentários.
    Parabéns por esse espaço que demonstra seu amor pela literatura e pela arte.
    Grande abraço!

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